Cesar Lattes, cientista brasileiro


Em 11 de julho de 2024, o físico Cesar Lattes comemoraria o seu centenário. Ao considerar a efeméride, o Arquivo Central do Sistema de Arquivos da Unicamp (AC/SIARQ), instituição de memória que custodia o seu acervo documental, não poderia deixar de celebrar essa data com uma homenagem que se concretiza no lançamento da atual exposição virtual: “Cesar Lattes, cientista brasileiro”. A mostra propõe, através de documentos emblemáticos do seu arquivo, contextualizar algumas de suas contribuições para a consolidação da ciência brasileira e para sua institucionalização dentro das universidades, mais particularmente, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a sua casa científica e instituição à qual ele devotou grande parte de sua trajetória de vida.

O Arquivo de Cesar Lattes foi doado ao AC/SIARQ em 2006. Ele é composto por documentos textuais, iconográficos, audiovisuais e sonoros, a exemplo de correspondências pessoais e oficiais, artigos científicos, anotações de pesquisa em mapas e cadernos de campo, fotografias pessoais e de trabalho, certificados e cartas de homenagens, chapas e filmes de emulsão nuclear, obtidos a partir da detecção dos raios cósmicos. Para a presente exposição, foi necessário escolher apenas uma parte desse acervo, chamando a atenção para os documentos que permitem conhecer sua memorável atuação acadêmica e em pesquisa, muitos deles até então inéditos. A proposta é tornar seu acervo acessível para a comunidade de uma maneira mais ampla, mostrando além das contribuições científicas e curiosidades que permeiam a trajetória do físico brasileiro, as potencialidades de uso do seu acervo pessoal, para pesquisadores de diversas áreas de atuação. Em 2011, o acervo documental privado de Cesar Lattes foi declarado de interesse público por meio de presidencial.

Cesar Lattes

“Imagine um jovem estudante que ingressa na USP aos 16 anos e se gradua em física aos 19. Quatro anos depois, parte para a Inglaterra e participa da importante descoberta de um novo tipo de partícula subatômica até então desconhecida, o méson pi, hoje conhecido como píon, em um experimento envolvendo raios cósmicos. Um ano depois, viaja aos EUA e participa da detecção das partículas, agora produzidas artificialmente em colisões em um acelerador. No auge da fama, com portas abertas para trabalhar em qualquer universidade, decide retornar ao Brasil para contribuir para o desenvolvimento científico e tecnológico. Com outros cientistas, funda, no Rio de Janeiro, o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e atua como seu primeiro diretor científico. É nomeado professor catedrático da Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Colabora com a criação do Conselho Nacional de Pesquisas, o CNPq. Aos 41 anos, recebe o título de professor Honoris Causa da Universidade de São Paulo (USP) e aceita o convite para se transferir para uma universidade recém-criada, a Unicamp. Leva para Campinas sua família e colaboradores da USP, a fim de dar continuidade às pesquisas sobre raios cósmicos, às quais se dedicou até seus 61 anos, quando se aposentou. Falo de Cesar Lattes, dono de uma inteligência fora do comum e de uma cultura geral extraordinária, além dos horizontes da Física. Em 2024, comemoramos o centenário de seu nascimento e celebramos o legado que
ele nos deixou”.
Carola Dobrigkeit Chinellato, professora do Departamento de Raios Cósmicos e Cronologia (IFGW Unicamp)

O jovem Lattes


“Em Berkeley os mésons artificiais já eram produzidos desde 30 de novembro de 1946, mas só foram detectados em fevereiro de 1948. Não é verdade que fiz parte da equipe que descobriu o méson artificial em Berkeley. Não fiz coisíssima nenhuma. Apenas detectei e identifiquei o que já estava lá. E isso não é a mesma coisa. Boa parte do tempo eu estava em Bristol, calibrando emulsões. Mas, enfim, o fato é que nesse tempo aconteceu o nascimento das partículas elementares. Por exemplo, nasceu o pósitron, o mésotron, etc. Mas na época ninguém entendeu nada. Todo mundo saiu dizendo, por exemplo, que o elétron pesado era o méson do Hideki Yukawa. O nosso foi o verdadeiro, o méson pi, já previsto em 1942 pelo Sakata”.

(Cesar Lattes, em entrevista para a revista Ciência Hoje, 1995)

Nascido em Curitiba (PR), Cesare Mansueto Giulio Lattes, o Cesar Lattes, era filho de Giuseppe Lattes e de Carolina Maria Rosa Maroni Lattes. Foi casado com Martha Siqueira Neto Lattes, com quem teve quatro filhas e nove netos.

O ingresso de Cesar Lattes na ciência se deu muito cedo. Graduou-se no Departamento de Física da Faculdade de Filosofia e Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP) com apenas 19 anos.

Cesar Lattes
Cesar Lattes
Cesar Lattes

Lattes não tinha o sonho de ser físico, embora se saísse muito bem nas disciplinas de exatas na fase escolar. Por intermédio do pai, que atendia Gleb Wataghin (1900-1986) no banco onde trabalhava, foi incentivado a ingressar na universidade. Wataghin é considerado o pai da Física Moderna no Brasil. Na USP, na década de 1930, instituiu as Ciências Físicas na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras.

Cesar Lattes

Na graduação, que começou em 1941, o jovem estudante foi orientado a iniciar sua jornada pela pesquisa científica, por meio da publicação do trabalho sobre a abundância de núcleos no universo. Interessou-se pela física experimental, dedicando-se ao estudo de raios cósmicos. Em 1943, passou a atuar como assistente de pesquisa na USP.

Na mesma época, o físico italiano Giuseppe Occhialini (1907-1993) veio para o Brasil e começou a construir uma câmara de nuvens para detectar partículas subatômicas. Em 1944, Occhialini deixou a USP e foi para a Universidade de Bristol, na Inglaterra, atuar no H.H. Wills Physical Laboratory , coordenado pelo físico Cecil Powell. Enquanto isso, no Brasil, Lattes começou a se dedicar à pesquisa sobre raios cósmicos e tentava, juntamente com os colegas Andrea Wataghin e Ugo Camerini, fazer funcionar a câmara de nuvens deixada por Occhialini. O que o trio de amigos estudava eram as partículas de chuveiros iniciados na atmosfera por raios cósmicos e que conseguiam chegar ao solo e atravessar a câmara. Chapas fotográficas especiais, conhecidas pelo nome de emulsões, também analisadas, mostravam as partículas de maneira ainda mais clara. Animado com os estudos, Occhialini conseguiu atrair Lattes para Bristol com uma bolsa.

Cesar Lattes
Cesar Lattes

Após o término da Segunda Guerra Mundial, a indústria fotográfica aumentou seu interesse pela física, o que a fez ampliar a produção de chapas fotográficas especiais para investigações na área nuclear. Ou seja, Lattes se dedicaria à técnica de emulsões nucleares e sua aplicação no estudo dos raios cósmicos. A partir de vários experimentos, o interesse por eventos mais raros na radiação cósmica aumentava, indo ao encontro das teorias levantadas pelo físico japonês Hideki Yukawa que, alguns anos antes, tentou explicar a natureza da estabilidade do núcleo dos átomos. A teoria previa a existência de uma partícula chamada méson, com massa intermediária entre a do próton e do elétron, responsável pela força de atração entre prótons e nêutrons, a chamada força nuclear forte. A necessidade de pesquisar em altitudes mais elevadas veio à tona, porque ali a intensidade dos raios cósmicos é maior. Occhialini realizou o primeiro experimento no Observatoire du Pic du Midi, na França, a 2800 metros de altitude.

Pesquisas de Lattes no Monte Chacaltaya (Bolívia)

Após pesquisas e intercâmbios com cientistas de diversas áreas, Lattes encontrou no Monte Chacaltaya, na Bolívia, a possibilidade de testar as teorias e colocar as emulsões a 5.200 metros acima do nível do mar. Viajou e expôs as placas, obtendo uma série de resultados que além de aprimorar um novo método de registro fotográfico com emulsões nucleares, permitiu a Lattes visualizar traços que poderiam identificar a existência de uma nova partícula.

Tais dados fizeram parte do trabalho publicado por Occhialini, Lattes juntamente com o chefe do grupo, Cecil Powell, na revista Nature, em que anunciaram a observação do méson pi, a partícula prevista por Yukawa -, hoje chamado de píon. Essa descoberta, em 1947, projetou o nome de Cesar Lattes no mundo da ciência.

Cesar Lattes
Cesar Lattes

Em 1948, um ano após ele descobrir o méson pi na natureza, Lattes ganhou ainda maior repercussão mundial ao detectar a partícula produzida artificialmente em um potente acelerador, o cíclotron, a partir de estudos realizados na Universidade da Califórnia, em Berkeley. A detecção dos vários píons produzidos foi um marco para o progresso no conhecimento sobre a constituição nuclear do átomo, das forças nucleares e da física de partículas elementares, abrindo caminho para essa nova área de conhecimento. O trabalho foi desenvolvido em parceria por Lattes e pelo físico estadunidense Eugene Gardner, que dominava o funcionamento do acelerador.

Mas tais descobertas garantiriam a Lattes o Prêmio Nobel?

Não foi o que aconteceu. Na época, a praxe era conceder o prêmio apenas ao chefe do grupo de pesquisa, fato que não permitiu a Lattes ganhar o Prêmio Nobel. O reconhecimento foi para Cecil Powell, chefe do laboratório, em 1950. Pouco depois, em 1950, Gardner morreria, aos 37 anos, vítima de efeitos colaterais da intoxicação por berílio, elemento químico usado em suas pesquisas. A dupla também era candidata forte ao Prêmio Nobel, que não veio.

Cesar Lattes

Muito além das partículas: Lattes e a consolidação da ciência brasileira


"Lá [nos Estados Unidos] me ofereceram um lugar em Harvard, mas nem pensei nisso. Queria voltar para o Brasil. Naquele tempo, ninguém ia para lá com a ideia de fazer carreira. Ninguém queria ficar lá. A gente pensava, digamos em linguagem um pouco patriótica, em melhorar o Brasil. Dá para entender esta frase nos dias de hoje?".

(Cesar Lattes, em entrevista para a revista Ciência Hoje, 1995)

A contribuição de Cesar Lattes para a ciência brasileira vai muito além do surgimento da física de partículas. Após anos fora do país, em 1948, mesmo com uma série de convites de instituições estrangeiras de renome, Lattes decidiu retornar ao Brasil, com o objetivo de investir no desenvolvimento científico nacional, a partir do estabelecimento de uma infraestrutura político-administrativa.

No Rio de Janeiro (RJ), entre 1949 e 1967, Lattes foi professor titular e, posteriormente catedrático de física nuclear e aplicada do Departamento de Física da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil — atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) — e participou da fundação do Instituto de Física da instituição.

Nesse período, em parceria com colegas físicos, como José Leite Lopes, Elisa Frota Pessoa, Jayme Tiomno e Leopoldo Nachbin, buscava apoio para a institucionalização da ciência. A mobilização coincidia com a criação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em São Paulo.

Cesar Lattes

O empresário Alberto Lins de Barros, interessado nas perspectivas da energia nuclear para o Brasil, apoiou politicamente e financeiramente uma nova proposta: a criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), em 1949. Lattes foi o seu primeiro diretor científico, cargo que ocupou até 1955.

No âmbito do CBPF, Lattes se empenhou no projeto de levar a Chacaltaya uma câmara de nuvens. Em 1952, um acordo foi assinado entre o instituto e a Universidade de San Andrés, na Bolívia, para construir, no pico de Chacaltaya, um laboratório de raios cósmicos. Essa infraestrutura atraiu outros pesquisadores da América do Sul. Embora a câmara de nuvens não tenha funcionado por lá, Chacaltaya estava, com a criação do Laboratório de Física Cósmica, inserido no contexto científico internacional.

Cesar Lattes
Cesar Lattes

Em 1949, Lattes foi designado pelo Presidente da República membro da Comissão incumbida de elaborar projetos e atos necessários à instituição do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), criado em 15 de janeiro de 1951. A fundação deu novo impulso à pesquisa científica e tecnológica no Brasil e contou com Lattes na composição de seu primeiro Conselho Diretor. O cientista brasileiro que mais se destacava na sociedade não media esforços para quebrar as resistências ao apoio à ciência.

Cesar Lattes
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Entre 1955 e 1957, Lattes passou uma temporada nos Estados Unidos. O Brasil não havia apoiado projetos que estavam em sua perspectiva, como a construção de um grande acelerador de partículas. Aliado a esse fato, o laboratório de Chacaltaya também perdia recursos do governo brasileiro. O cenário, portanto, motivou o cientista a buscar outros caminhos em instituições norte-americanas, como a Universidade de Chicago e a Universidade de Minnesota.

De volta ao Brasil


Lattes retornou ao Rio de Janeiro em 1957, e três anos depois, mudou-se para São Paulo, a convite dos físicos Mário Schenberg, Walter Schutzer e José Goldenberg. Foi contratado pela USP como professor e chefe de um laboratório para estudos de interações de raios cósmicos a altas energias. Nesse contexto, Hideki Yukawa, reconhecendo a importância e utilidade das experiências com raios cósmicos, se comunicou com Lattes, propondo-lhe uma colaboração científica nos seus trabalhos no Monte Chacaltaya. Esse contato culminou, a partir de 1962, na Colaboração Brasil-Japão (CBJ), projeto de longo alcance sobre interações a altas energias na radiação cósmica. Foram trinta anos de cooperação entre pesquisadores de diversas universidades e centros de pesquisa dos dois países. Desde então, os resultados pioneiros desse grupo são considerados promissores para a expansão das fronteiras da física moderna.

Cesar Lattes
Cesar Lattes

Mesmo com a saída de Lattes da USP, a cooperação com os japoneses seguiu por meio da Unicamp, a partir de 1967, quando o cientista se vinculou à instituição. A CBJ seguiu o modelo iniciado em Bristol, duas décadas atrás, com dezenas de físicos e microscopistas. Entre os japoneses que mais interagiram diretamente com o Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) estavam Yoichi Fujimoto, Shunichi Hasegawa, Akinori Ohsawa e Toru Shibata.

Lattes e uma universidade em construção


“Ele deixou muitos frutos para o Brasil, o seu grupo de estudos mantém-se até hoje na Unicamp, com cada vez mais colaborações internacionais. Ele soube aproveitar sua fama de uma forma muito positiva, canalizando recursos, visibilidade e relações com outros países para colocar o Brasil no radar do mundo em pesquisas físicas”

(Carola Dobrigkeit Chinellato, professora do IFGW/Unicamp, em entrevista para a revista Ciência & Cultura, 2024)

Nos primórdios de formação da Unicamp, Zeferino Vaz, reitor e então principal responsável pela constituição do primeiro corpo docente, queria Cesar Lattes entre os seus primeiros cientistas.

A intermediação do convite a Lattes foi feita, em 1967, por Marcello Damy, então diretor do Instituto de Física da Unicamp e um dos mais reconhecidos físicos experimentais do país. A proposta era que Lattes integrasse a equipe de professores do IFGW, colaborando com a implantação de uma linha de pesquisa sobre datação de rochas em Campinas. Damy se formou em Física pela USP e havia sido assistente de Gleb Wataghin na área de raios cósmicos.

Cesar Lattes

Lattes aceitou o convite. Junto com ele, ingressaram na Unicamp alguns de seus ex-alunos, como Marta Sílvia Maria Mantovani, Cláudio Santos, Armando Turtelli Junior e Edison Hiroyuki Shibuya. O físico também transferiu à nova universidade todo o peso da CBJ, o que resultaria na estruturação do Laboratório de Raios Cósmicos do IFGW. Para Lattes, a chegada à Unicamp marcou, de certa maneira, uma nova fase em sua carreira acadêmica.

O renome de Lattes atraia muitos físicos de talento. A linha de pesquisa era a mesma que realizava na USP, a observação de raios cósmicos com placas de emulsão. O Grupo de Emulsões foi o primeiro grupo experimental do IFGW. Por duas décadas na Unicamp, o cientista também se dedicou à datação por fissão nuclear espontânea de urânio. Como o campus ainda não existia, Zeferino mandou adaptar a construção de laboratórios nos porões de um antigo colégio, o Bento Quirino, situado à Rua Culto à Ciência, atual sede do Colégio Técnico de Campinas (COTUCA). No livro “O Mandarim” (2006), o jornalista Eustáquio Gomes relata que Lattes às vezes aparecia de chinelos e trazia o cachorro. Em varais improvisados no corredor, estendia filmes recém-revelados com registro de colisões de partículas cósmicas observadas no Monte Chacaltaya.

Cesar Lattes
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Um laboratório peculiar


Armando Turtelli Junior explica, na ed. 281 do “Jornal da Unicamp”, um pouco da dinâmica da revelação fotográfica de milhares de chapas, realizada em 1967, já no limite de recursos e de tempo do projeto, além de desafios logísticos. As revelações, feitas em escala industrial, precisavam ser processadas rapidamente, sob pena de os filmes perderem a sensibilidade. Caso isso ocorresse, as imagens deixadas pelas partículas detectadas desapareceriam. O material era trazido da Bolívia em envelopes lacrados, à prova de luz. Em um só dia, eram reveladas de 600 a mil chapas. As instalações e a temperatura eram adequadas, mas a secagem das chapas não podia ser apressada, sob o risco de a película que revestia os filmes ser danificada. A saída foi estender varais improvisados, nos quais as chapas eram penduradas com prendedores fabricados pelos pesquisadores. No ano seguinte, teve início a construção de uma câmara escura profissional, com capacidade para revelar mais de 12 mil chapas de raio-X e mais de mil placas de emulsão nuclear.

Cotidiano e microscopistas no laboratório

Nesse espaço, destaca-se o pioneirismo de Lattes na análise das emulsões nucleares utilizando o microscópio, o que fez com que ele montasse na Universidade um estrutura com vários microscopistas, cenário no qual estavam incluídas muitas mulheres.

Na Unicamp também continuaram as observações de fenômenos novos que começaram a ser encontrados nas chapas de emulsão do tempo em que atuou na USP, batizadas de “bolas de fogo” que seriam um estado intermediário que se dá entre a colisão e a produção de partículas subatômicas. Em 1963, quando trabalhava na USP, Lattes anunciou a observação do primeiro desses eventos, envolvendo píons. Com a descoberta das “bolas de fogo” pela CBJ, a equipe passou, então, a tentar identificar esse fenômeno por meio das trajetórias deixadas pelas partículas produzidas na câmara de emulsão. Outros fenômenos raros como este foram novamente vistos na Unicamp. Em setembro de 1969, Lattes levou suas pesquisas sobre as “bolas de fogo” ao Congresso Internacional de Raios Cósmicos, realizado em Budapeste.

Foi também entre 1969 e 1970 que Lattes atuou na criação da Revista Brasileira de Física (Brazilian Journal of Physics), cuja primeira edição foi publicada pela Sociedade Brasileira de Física (SBF) em 1971.

Em 1986, a Universidade lhe conferiu os títulos de professor Emérito e doutor Honoris Causa. O nome de Lattes no corpo docente da Unicamp deu à nascente instituição uma importante projeção. Afinal, o pesquisador, já referência na física moderna, havia inserido o Brasil no mapa internacional da pesquisa científica. Suas descobertas desafiaram paradigmas instrumentais vigentes, sendo por isso mesmo responsável por criar novos métodos de pesquisa e formas de instrumentação dentro do universo da física.

Cesar Lattes
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O Lattes que não está no Lattes, nem no Nobel


“A senhora do Lattes, dona Martha, gostava muito de cantar. Então eu pegava o violão e ia lá para casa deles. O Lattes era festivo, gostava de receber os amigos. Lattes dizia que ciência sem cultura, sem consciência, passa a ser um mal. O que ele quis dizer é que ciência sem conhecimento, no bom estilo da palavra, sem os mecanismos de avaliação, é desprezível, um perigo. Para ter consciência, é preciso ter cultura. E cultura envolve essas digressões da alma. O espírito é livre”

(Alfredo Marques, físico da CBPF e colega de Lattes, em entrevista ao Jornal da Unicamp, 2006)

Modéstia e senso de humor eram traços fortes na personalidade de Lattes. Ele também foi conhecido por suas particularidades. Um exemplo foi emoldurar em sua sala uma carta que teria sido psicografada de Santos Dumont, de quem era admirador.

Dava aulas, fazia experimentos nos laboratórios e circulava pelo campus sempre acompanhado de seus cachorros. Um dos mais conhecidos era o “Gaúcho”. Lattes também costumava batizar seus cães com nomes de personalidades, como presidentes do Brasil.

Cesar Lattes
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Lattes seria reconhecido como um dos cientistas brasileiros com mais importância na era da Big Science. Mas, sua projeção foi além da academia e pode ser constatada em várias situações. Em 1947, o samba-enredo “Ciência e Arte”, de Cartola e Carlos Cachaça, composto para o Carnaval, homenageou o cientista e levou a escola de samba “Estação Primeira de Mangueira” ao segundo lugar na avenida. Exatos 50 anos depois, a música teve uma marcante regravação. Gilberto Gil lançou o álbum “Quanta”, em 1997, com repertório dedicado à ciência. “Ciência e Arte”, alinhada com a proposta do CD em forma e conteúdo, não ficaria de fora.

O cientista também era muito conhecido por sua ousadia científica. Em 1980, por exemplo, contestou Albert Einstein quanto ao princípio da relatividade. Para Lattes, ao contrário do que dizia Einstein, a velocidade da luz dependeria da velocidade do sistema de referência em relação ao qual é medida e não seria uma constante universal. Dias depois, Lattes reconheceu o equívoco após refazer cálculos.

Reconhecimentos, homenagens e premiações

Entre prêmios, medalhas e comendas, recebeu, no Brasil, o Prêmio Einstein de 1950, o Prêmio Fonseca Costa, do CNPq, em 1958, a Medalha Santos Dumont em 1989, a Medalha comemorativa dos 25 anos da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), entre outros. Uma das últimas homenagens foi a Medalha Paulo Carneiro, prestada pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), Academia Brasileira de Letras (ABL) e Unesco. Várias escolas, ruas, laboratórios, praças, bibliotecas em muitos dos municípios brasileiros foram batizados como Cesar Lattes.

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Um dos prêmios que Lattes levou foi o “Bernardo Houssay”, outorgado em 1978 pelo Conselho Interamericano para a Ciência, Educação e Cultura da Organização dos Estados Americanos (OEA), no valor, à época, de trinta mil dólares. O físico destinou metade do dinheiro para ajudar no custeio de despesas de estudantes que acabavam de chegar à Unicamp para estudar. De acordo com Lattes, essa doação simbolizaria um estímulo para ingressantes sem condições financeiras suficientes para se manterem na Universidade.

Lattes resistia a participar das premiações e receber congratulações pela sua trajetória científica. Sempre que podia, se ausentava das cerimônias, mandava representantes, ou direcionava os recursos para outras finalidades. Ele, por exemplo, nunca sistematizou sua trajetória em um currículo. Tampouco cadastrou-se na plataforma que leva o seu nome, a Plataforma Lattes, instaurada pelo CNPq para integrar bases de dados de currículos, grupos de pesquisa e de instituições em um único sistema de informações. Se hoje é possível encontrar um currículo registrado em seu nome, alguém o preencheu in memoriam.

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Em 1995, Lattes enviou, a pedido da Associação Brasileira de Ciências (ABC), uma única lauda sobre sua trajetória. Coube à Izar Oswaldo Cruz, responsável pela organização dos currículos na entidade, elaborar um documento mais completo. Na carta que enviou a ele, Izar solicitou revisão do conteúdo e sugeriu ampliar o currículo do professor.

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Legado e admiração

Os depoimentos e trechos de documentos apresentados nesta exposição são apenas alguns exemplos do legado deixado por Cesar Lattes, não apenas para a ciência, mas para a sociedade brasileira de uma maneira mais ampla. Seu engajamento e brilhantismo, aliados a sua simplicidade e singularidade, explicam o sucesso de sua trajetória que, conseguiu extrapolar os muros da Universidade, atraindo o interesse do público geral e deixando um séquito de fãs e admiradores que reverberam até os dias de hoje.

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Ficha Técnica
  • Coordenação Geral
    Janaína Andiara dos Santos
  • Pesquisa e produção de textos
    Luiza Bragion Moretti
    Rafaela Basso
    Telma Maria Murari
  • Revisão
    Carola Dobrigkeit Chinellato (IFGW/Unicamp)
  • Seleção de imagens
    Telma Maria Murari
    Luiza Bragion Moretti
  • Tecnologia da Informação e Identidade Visual
    Andressa Cristiani Piconi
    Leonardo Schimidt Silveira
    Marcos Laerte Gomes de Lima
  • Apoio Técnico
    Giovanna Colucci (estagiária)
    Leonardo Xavier do Nascimento (estagiário)
  • Apoio Administrativo
    Rodrigo Lizardi de Souza
  • Agradecimentos
    Carola Dobrigkeit Chinellato (IFGW/Unicamp)
    Cibele Toffoli Fortuna (IFGW/Unicamp)
    Edison Hiroyuki Shibuya (IFGW/Unicamp)
    Maria Cristina Lattes Vezzani
    Maria Lúcia Lattes Romeiro
    Maria Tereza Siqueira Netto Lattes Borçato
    Secretaria Executiva de Comunicação da Unicamp (SEC/Unicamp)
    Concepção
  • SIARQ
  • Arquivo Central do Sistema de Arquivos da Unicamp (AC/SIARQ)
  • SIARQ